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O GRITO:
Aaaaaaaaaaaahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh... !!!
O PRÓLOGO:
Com certeza é preciso dizer, antes de mais nada, que nenhuma palavra consegue chegar perto de gritar o necessário! Nem como disse um professor ontem, nem as maiúsculas, que parecem naturalmente gritos, nem elas expressam em palavras altas tudo sincero como deveriam.
Os animais que sabem bem o que fazem! Seus grunidos são tão próprios, eficazes, não há duvida que depois de grunir, mugir, latir, e berrar sentariam-se em seus sofás, caso os tivessem, abririam uma cerveja, caso fossem abastardos com o divisor de águas polegar opositor, e esboçariam um belo e branco sorriso, caso usassem pasta de dente colgate.
Mas não o fazem, não possuem e não usam, limitam-se ao que há apenas de essencial, ó sábios animais, gemem, grunem, mugem, latem e berram. [Como somos todos estúpidos a nos perder em palavras].
A CARTA:
Mon chere,
quem te fala é uma morta. Assim como desejastes.
No entanto, menos em paz do que a morta de Nelson e Herculano, e menos morta, aliás, enterrada viva, ou ainda pior, apagada da história como nunca tivesse existido, sem choro nem vela, nem caixão com fita amarela.
Apagada da história ainda viva. [-quem, ela ou a história? Ambas vivas e igualmente riscadas de todo e qualquer mapa].
Que paradoxo de dor.
Que fizestes da única coisa que me restara? Que fizestes do único canto certo no qual garantia toda minha [in]certeza?
Que fui esquecida, superada, que tornei-me quase nada, poeira no vento, nada disso nos é novidade. Que o passado passa, o presente é vida e o futuro a deus pertence, de tudo isso sabíamos bem desde o início, quando há poucos anos nossos cheiros se abraçaram.
Mas, meu querido amigo, que nem na arte restaria o resto de mim em você!? Que nem da arte ficaria eu, para alem de criadora, uma bela, talvez, criatura!?
Ah que peça me pregastes, eis que surge tu, como sempre, a criar de todo modo e alcance, tanta beleza... que vem agora numa peça, e como não deixaria de ser, é tão linda e suave melodia... claro, para o aplaudo como sempre, (chego até a sorrir por um segundo) e não esqueço!
Tudo passa e morreremos. Talvez seja este um dia-marco, dia-d, onde deixamos de lado a inocência vil do artista-quando-jovem que, não só se quer tão gênio, mesmo sabendo que até Pessoa se iludira, mas que se quer imortal e que só para isso vive.
Imortal o que! Se foi mesmo um físico muito amigo de papai que ainda ontem, sentados à mesa de bar, nos disse no bom e velho português, com todas as palavras, nessa linguagem que nos resta à comunicação, ou melhor se diga, ao fingimento dela, as palavras, nós que não somos os animas (e que pena), pois nos disse então o físico: “sim, se existe uma certeza além da morte é a de que tudo vai mesmo se acabar, não há história, não há memória, tudo vai desaparecer, então tratemos de aproveitar a vida e sermos felizes”.
Tudo bem que já sabemos que as coisas não funcionam lá tão assim, mas supondo mesmo que não há memória e não há história, e que vai tudo mesmo pros cafundós dos judas (ou ainda mais longe do que isso, seja lá onde for), não há mesmo com o que se preocupar.
O artista então, de fato, não cria para eternidade, posto que esta em si já é um parodoxo. Vá então criar pra outro! pensei.
E talvez assim eu pense.
Mas não agora.
Talvez porque não seja como artista que o suplico, talvez seja essa a dor de musa, ah, sendo mais realista, falsa-musa que nada mais é do que morta viva apagada e liquidada da história, sem que o corpo tivesse esfriado, ou ainda mais grotesco, sem que haja o tal presunto, mas um corpo vivo, quente, muito quente, que arde com febre da dor de quem foi apagado vivo, retiradofeto.
Morri.
Pronto, conseguimos: morta.
Descobri o ponto, aquele mais fundo do que o poço fundo do elevador de onde tanto temi afundar.
Assassinada em obras e vida, não, antes ainda, jornada inexistente de um artista nati-morto.
Sei que nada fizeste por mal, não sei o que pensas, o que será pensou? Não importa, como disse Baudelaire, ou qualquer outro gênio que não foi apagado da história em questão, “mate ou morra”. [ou corra?]
Provável que não soubesses a dor que causaria... provável que soubesses, afinal, sabemos, meu bem, queira ou não queira, conhecemo-nos e me conheces bem. Meu bem.
Achei que estava protegida no esquecimento da gaveta da obra imortal. Achei que o fim na vida era o voar da arte e das canções.
Não entendi o físico e não supus que a imagem, a tal fotografia ainda jovem, pudesse desvanecer.
Não pensei que meu nome, gravado na pedra cantada em letras tão belas que de passado seriam sempre, sempre, futuro; não achei que até mesmo essas belas palavras que me foram tão caras com um título igualzinho ao escolhido por mamãe, no exato dia em que nasci, fossem passíveis da crueldade do rabisco e da borracha, pior, da rasura. Não pensei que, como já anunciara o velho físico: não há memória, nem história. Nem para nossas palavras.
Vivamos.
[mesmo que em prantos]
Minha obra não te cala e não te rabisca, e em minha gaveta ainda jaz sua música com meu nome, protesto e grito, como não fazem os animais:
eu não esquecerei.
ah! e quase ia me esquecendo, lemos hoje no atêlie Paulo Mendes Campos e Antonio Maria, nem preciso dizer que lembrei de você... quis ir, claro, assim que chegue em casa, em busca dos dois livros, de tantos, que você me deu... mas não pude... e cito nosso querido amante da vida, Antonio:
"O homem só tem duas missões importantes: amar e escrever à máquina. Escrever com dois dedos e amar com a vida inteira."
é, acho que não vou tão mal assim...caro maria
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Há 11 anos
5 comentários:
FANTASTICO!!
(com letras maiusculas gritantes, que mesmo assim não expressão a grandeza do sentimento)
:)
cade a 5 4 3 2 1???
prezada senhorita,
ando marlombrando por demais. marlombrando maneiras de encontrar motivos de piadas, linhas de fuga e coisas afins.
agradeço, de bom grado, o crédito de melhor coleção sobre o cinema, uma vez marlombrando na publicação que habitará os anais das mostras sobre ícones do cinema a partir de março do presente. fato que isso não ocorrerá, a vida continua marlombrando pela rede a fora. conto com as suas visitas. e trago, a por aqui, também, um recado de um fingidor. parece que ele lhe escreveu umas duas correspondências, e a despeito não lhas teve resposta.
abraços, charmosos do seu, e de todas (os)
tomarlombrando
"meu caro" em francês fica escrito assim : "mon cher", e não "mon chere"
;)
bonito mas doloroso
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